O Brasil possui uma pluralidade de instrumentos relacionados à política urbana. No entanto, a complexidade dos desafios exige que pensemos também em soluções multidisciplinares e inovadoras, capazes de qualificar o espaço urbano de modo equitativo, possibilitando o pleno desenvolvimento da nossa sociedade. Durante muito tempo, a principal abordagem em relação a assentamentos foi a aplicação de processos de remoção ou alternativas para tentar escondê-los. Apesar dessas práticas ainda ocorrerem, nas últimas décadas, houve um avanço no que tange o reconhecimento dos assentamentos e a formulação de estratégias, programas e políticas por gestões municipais para urbanização dessas áreas. Observar essas experiências concretas de intervenção pode auxiliar na elaboração de caminhos que visem o desenvolvimento inclusivo destes territórios.
Gestão urbana e projetos de urbanização
Desde a década de 1990, projetos de urbanização de assentamentos implementados por gestões municipais de diferentes cidades latino americanas se destacam pela tentativa de buscar sua integração sócio espacial, a partir de processos participativos e multidisciplinares. Inseridos neste contexto, são apresentados brevemente a seguir o Favela Bairro, aplicado no Rio de Janeiro, o Proyecto Urbano Integral, em Medellín - Colômbia, e mais recente, o BarrioMio, em Lima - Peru.
O Favela Bairro foi implantado em 1994 pela Prefeitura do Rio de Janeiro e inovou ao propor melhorias físicas e ambientais capazes de integrar os assentamentos aos seus bairros por meio de infraestrutura urbana, equipamentos e processos participativos. Além disso, com a realização de concursos públicos de projetos, o programa foi capaz de introduzir à cultura urbanística a temática dos assentamentos, mobilizando diversos profissionais em proposições que normalmente estariam restritas aos quadros institucionais.
O Proyeto Urbano Integral, aplicado em Medellín cerca de uma década depois, foi desenvolvido entre 2004 e 2007 pela Prefeitura da cidade. A proposta, muito reconhecida, se baseava em 3 componentes: 1-Físico, com o provimento de equipamentos de impacto comunitário e projetos urbanos especialmente relacionados a acessibilidade e mobilidade; 2-Social, com o envolvimento da comunidade como tomadores de decisão e controle da intervenção; e 3-Institucional, com a criação de mecanismos inter-institucionais para articulação dos agentes urbanos, visando a promoção de uma cultura de cooperação entre instituições.
Por sua vez, o BarrioMio, como experiência mais recente, foi elaborado em 2012 pela Prefeitura de Lima. Seu objetivo é assessorar tecnicamente os moradores em assentamentos a fim de gerar projetos de recuperação e melhoria dos espaços públicos dentro de uma rede urbana. O programa busca se constituir como uma plataforma cidadã focada na ação desde a autogestão, promovendo e integrando no desenvolvimento local a curto prazo diferentes atores: prefeitura, população, organizações comunitárias, universidades, instituições, empresas e voluntários.
Caminhos na busca pelo desenvolvimento inclusivo
Ainda que durante as execuções dos programas apresentados tenham surgido contradições, eles possuem o mérito de experimentar possibilidades e criar alternativas concretas de solução a impasses urbanos. Desta maneira, podem ser um bom ponto de partida na reflexão sobre proposições aos desafios existentes. Pautados nestas experiências, apresenta-se a seguir 5 caminhos a serem considerados na elaboração de projetos em assentamentos que visam o desenvolvimento inclusivo dessas áreas:
1. Potencializar as dinâmicas comunitárias territorializadas
- É fundamental que a proposta dialogue com as estruturas sociais e urbanas territorializadas. Deve-se considerar as dinâmicas de autogestão, organização, espontaneidade, vínculos já instituídos pela comunidade, em suas potencialidades e impasses, evitando, assim, a imposição de padrões formais de bairros estruturados a partir de lógicas não condizentes com a sua realidade. Além disso, pensar em ações que fomentem iniciativas socioeconômicas e políticas também pode auxiliar na formação cidadã e geração de oportunidades.
2. Garantir a integração dos assentamentos
- Acredita-se que quando as propostas são idealizadas considerando a relação do assentamento com o restante da cidade, bem como o acesso da população aos demais pontos de interesse na dinâmica urbana, maiores são as chances de se atingir uma integração socioespacial. Neste sentido, é importante introduzir os projetos dentro de uma política urbana mais ampla, que considere este tipo de ação dentro de um sistema de transformação e integração de áreas frágeis e centrais da cidade. Além disso, é interessante pensar em metodologias de intervenções que possam replicadas, mas que ao mesmo tempo sejam flexíveis para se adaptar às peculiaridades de locais.
3. Fomentar a articulação entre instituições
- Observa-se que muitos programas locais e de instituições nacionais, apesar de possuírem objetivos similares, atuam a partir de diferentes abordagens. Pensar em instrumentos que possibilitem o trabalho em conjunto de diferentes agentes pode potencializar o sucesso das ações e assim, garantir mais facilmente que o objetivo da proposta seja alcançado, impactando de maneira mais eficaz a vida da população local.
4. Fortalecer os instrumentos de participação
- Os projetos em assentamentos devem prever instrumentos capazes de realizar processos efetivos de participação com os moradores. Ao idealizar cidades inclusivas, é fundamental fomentar instrumentos que possibilitem que a população tenha um papel central em todas as etapas da proposta, para que ela se torne um agente ativo na tomada de decisões e construção das ações que influenciam suas respectivas vidas e ambientes. Para que esse espaço de troca seja criado, é importante refletir sobre a necessidade de transformar esferas institucionais, bem como o modo em que os diálogos com a população são estruturados.
5. Observar os assentamentos como territórios pluralmente vivos
- Os assentamentos estão em constante transformação: troca de materiais construtivos, ampliação de cômodos, adaptação de espaços coletivos conforme necessidades comunitárias. É importante observá-los a partir desta ótica transitória. Compreender estas dinâmicas auxilia no desenvolvimento de estratégias que incorporem as necessidades surgidas na evolução do projeto. Neste sentido, trazer a população como agente ativo no projeto também auxilia no desenvolvimento do sentimento de apropriação e, assim, na maior possibilidade de que este espaço seja preservado pela comunidade.
Ao construir estratégias que se pautem em integração, colaboração e inclusão, imagina-se que é possível catalisar transformações na vida da nossa sociedade. Refletir sobre experiências materializadas, dialogar sobre novas ideias e fortalecer vínculos podem contribuir com o processo de formular soluções cada vez mais próximas de promover a diminuição das barreiras visíveis e invisíveis que limitam o pleno desenvolvimento, especialmente daqueles que sobrevivem nestas áreas comumente excluídas das estruturas urbanas.
________
O COURB Brasil nos apresenta um artigo por mês. Veja todos aqui.